quarta-feira, 30 de junho de 2010

Símbolos - Danny Marks


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Essa coisa toda é muito maluca. Símbolos. O que eles são de verdade? Nada!
Fico vendo as pessoas carregando os seus símbolos por ai como se fossem amuletos contra alguma coisa, escudos protetores, armas engatilhadas e apontadas, brandidas contra qualquer outro símbolo ridículo que o outro possa ostentar.  Um uniforme, uma batina, um paletó e uma gravata acompanhados de uma indefectível pasta preta e óculos escuros.
Que merda vocês pensam que são essas coisas? Tiram a roupa e ficam nus, como se os seus próprios corpos não pudessem esconder a sua alma, se ainda possuem uma.  Talvez não, nunca tenha existido.
A grossura do cordão de ouro define o status social. Se grosso é um traficante ou alguém que saiu do submundo para uma vida estereotipada da qual nunca fez ou fará parte. Se fino demais, coitado, mais um fracassado tentando ser alguém, dizer que tem o que na verdade está empenhado em prestações de longo prazo.
Olha aquele ali carregando uma caixa de televisão. HDTV, Full HD, Super Slimm, touchpad e full screen. De todas as coisas que está levando nem um décimo vai ser usado, não sabe para que serve, jamais vai ler o manual de instruções de seu carrasco. Algoz, carregado no colo com orgulho maior do que teria se o substituísse por um filho.
Anel de brilhante, aliança, carro, mulher ou homem bonito, corpo, roupa, título, penteado, postura. O que é escondido e o que é mostrado, retalho reconstruído de fantasia.
Cego que vê apenas o que lhe mostram, mapa para lugar desconhecido, fantasia que matou o sonho, desejo emprestado.  Cercado, morto, movimentado por um fôlego que não lhe pertence, devorando cérebros de outros em busca de si mesmo.  Zumbi, Vampiro, Besta no Apocalipse, homem feito animal, lobisomem, homem tigre, galinha, vaca, piranha, veado, cachorra, verme, bichaaa!
No fim, apenas mais um símbolo o pedaço de chumbo aquecido pelo atrito rápido contra o cano e o ar que separa o ponto de partida do destino. Estatística.
Seis na esquerda, seis na direita, não importa nada, já estão todos mortos, não percebem isso? Apenas símbolos de um apocalipse que jamais foi revelado.
Dá tempo de carregar mais cinco, agulhas da morte, ossos balançantes, caveira com sorriso perfeito, aparelho nos dentes, óculos escuros, carro de luzes piscantes.
Hora do segundo ato.
Um.. dois... três... quatro... O que estão esperando? Cinco... Se....

AUTO DA TRANSIÇÃO: DO PARAISO TROPICAL AO INFERNO BRASILEIRO


10 Personagens:
- Santa
- Diabo
- Anjo
- Demônio
- Zé do Povo
- Scotch Girl
- Juíza
- Policial
- Política
Adaptação: Danny Marks
Roteiro adaptado da Obra de Gil Vicente (Auto da Barca do Inferno)

Apresentação:
Em um dia normal, muitas são as almas que deixam seus compromissos mundanos e se encaminham para o lugar que há entre este Mundo e o Melhor. No limite dessa fronteira terão que suportar o crivo daqueles que dividem o joio do trigo.
A estes personagens daremos o nome de “Anjo” e “Demônio”. Serão os responsáveis por definir os que vão subir e os que continuarão a queda.
Mas, do alto a Santa assiste o drama da Vida e da Morte.

Entram os personagens: Política, Scotch Girl, Zé do Povo, Juíza e Policial conversando.

Politica: Isto é um descabimento! No auge da minha campanha; agora que eu ia dar o grande salto da minha vida, me acomete a desgraça da morte.

Juíza: Ia dar um grande golpe, isso sim. Mas já estava quase a lhe botar a mão.

Zé do Povo: Ora, não me diga que também estava envolvida com o escândalo do mensalão.

Policial: Do mensalão, do semanão, do avião. Essa é das que guardam dinheiro na cinta liga.

Scotch Girl: Epa! Guardo sim, na liga, no sutiã. Qual é o problema? Quando o cliente paga a gente têm que guardar logo. Não dá pra ficar rodando a bolsa com dinheiro dentro. Se tivesse mais segurança não havia essa preocupação.

Juiza: Segurança tem, mas a corrupção é forte, não há lei que dê jeito nessa parte.

Policia: Não vem com essa de corrupção, não. Eu até prendo, é a Juíza que solta. Pra economizar, a gente já prende e solta logo de cara, né?

Politica: Eu sei bem qual é a cara que você gosta! Aquelas estampadas nas notas.

Zé do Povo: Eu é que não tenho nenhuma cara. Nem de nota, nem a minha. Só ganho rosto de verdade, quando pedem a identidade, pra votar em eleição.

Juíza: E onde anda o seu título?

Scotch Girl: Isso ai não tem título não. É Zé do Povo, nem cara, nem dinheiro, nem memória tem. Nem lembra o que comeu, é só mais um desgraçado que se perdeu.

Zé do Povo: Epa, que lembro sim! E quando comi paguei direitinho. Tim tim por tim tim. Não me venha cobrar de novo que não sou bobo da corte, sou Zé do Povo.

Em meio a essa balburdia entra o Demônio apressado gritando para todos:

Demônio: Ei gente de bem que agora veio pro além. Eu sou seu anfitrião e vou levá-los ao ultimo rincão. Não há rico, pobre ou classe média, que se furte dessa sorte. O que contribuíram para a vida é que lhes dá o destino na morte. Venham todos comigo, que o inferno lhes dá abrigo. São todos bem vindos a entrar. Sair... não é caso que se possa considerar.

Política: Espere que deve haver engano. Fiz muitas obras em vida.

Juíza: Pois conte então o restante. Metade do dinheiro ia para o bolso, ainda que as paredes desabassem sobre crianças junto com os livros da estante. Não é de terremoto que caía, mas de problemas na alvenaria.

Política: Pois então lhe conte a sua parte. Quanto me pedia para deixar passar? Propina era a sua arte. Há vídeos para provar.

Demônio: Não se desesperem as duas, que já tenho a lista completa. É um prazer escalar para o inferno uma dupla tão seleta.

Policial: Leva aquela também. Mulher de vida fácil e desregrada. Abria tudo para tantos que não tem mais vida privada. Cansei de prender e soltar a mando dessa juíza, depois me acusam de corrupto! Logo eu que só fiz cumprir a lei. E agora, morto, qual recompensa terei?

Scotch Girl: Recompensa? Essa já lhe foi dada! Quatro tiros no peito dados pela bandidada. Pensou que a farda lhe privaria da justiça do submundo? Comprou droga e não pagou, vai consumir lá no fundo. E não me venha de novo com olhar de súplica, que não lhe perdôo nenhuma dívida, seja na cama, no banho ou na mesa. (dirigindo-se a platéia) Dizia que da vida na rua ia me tirar e o que fez foi o meu dinheiro roubar. Apodreça no inferno! Chifres já os tem, enquanto fazia a ronda, ficava a mulher no vai e vem.

Entra o Anjo majestosamente em seu manto branco. Passa ao largo da multidão que está com o demônio a discutir, evitando olhar para eles como se aquilo não lhe dissesse respeito.
É visto pela multidão que lhe corre ao seu encalço suplicando perdão.

Scotch Girl: Anjo poderoso do Eterno, precisa me salvar. Este demônio maldito, pro inferno quer me levar. Lembra que o teu senhor e meu, outra prostituta perdoou, faz por mim o mesmo que uma boa recompensa te dou

Anjo: Mulher te afasta, que amarrotas o meu manto. Em tua boca não deveria haver palavras para me comparar com o Santo. Cumpro apenas meu papel, se fores ruim na vida ao inferno te destinas e, do contrário, ao céu te levarei. Não me seduzas com os prazeres da carne, que esta não mais te pertence. (Olha para a prancheta que traz e diz): — Não há aqui qualquer indício de que virtudes tenha. Do sexo fizeste vício sem arrependimento! Do prazer viveste, agora te destino ao tormento!

O demônio arrasta a mulher para fora. Vem a política em prantos.

Política: Não creio que vá me condenar, pois a muitos eu pude ajudar. Veja este nobre cidadão, quantas vezes lhe dei o pão? (Aponta para Zé do Povo)

Anjo: Sem dúvida o pão lhe deste, e somente a isto concedeu. Todas as outras iguarias guardaste para ti. Davas o mínimo para ter um voto dele e veja o que aconteceu. (olha com desprezo para Zé do Povo e se volta para a politica dando as costas ao pobre)Traíste a confiança dada, roubando até a mesada das crianças que defendia. Que triste alma penada por mim eu te tornaria, mas a LEI seja aplicada. Ao inferno te conduziria, se a outro não coubesse tal incumbência. Vai e... aproveita a permanência.

O Demônio rindo arrasta a política para o inferno. A Juíza corre e se abraça ao Anjo.

Juíza: Senhor dos Céus, é para mim um espanto que haja de verdade tal poder. No estado laico tive que fazer cumprir a lei, e agora diante de lei maior me encontro. Que haja perdão aos pecados, no máximo uma pena comutativa, pois sempre cumpri meu dever.

Anjo: Perdoaria- te todos os crimes e te daria a clemência! Não fosse o fato de que o poder lhe fez surgir a demência. Pensas que não te acompanhei no teu prazer de punir? Agora me pedes para fazer aquilo que não soubeste fluir? (olha para a multidão e se justifica) Para prisão mandaste a todos, com ou sem razão, o que te interessava era o gozo, o poder da decisão. Pois então eu decido que é hora de fazer valer a JUSTIÇA DIVINA, esta não falha! No inferno vais arder. Vai-te maldita gralha!

O Demônio arrasta a Juíza para o inferno e a policial amedrontada se esconde atrás de Zé do Povo.

Policial: Vai lá e fala com ele. Quem sabe ele te ouve? Já mandou para o inferno a tantos, que nem sei se há paraíso. Havendo me mostra como se faz, diz o que preciso. Faz isso e te protegerei!

Zé do Povo: Oxê que agora a coisa muda, antes tinha eu que me esconder de ti. Ai de mim se roubasse um naco de pão para de fome não morrer; agora me pede que eu o represente? Logo você que cumpriu lei tão exigente? Que de surra me encheu, até na frente de filho meu? Mas, se há justiça de verdade, o perdão deve ser dado, pois que não se faz ao outro o que a si não é desejado. Falo eu com ele, e que sejamos redimidos, pois do contrario nós dois estamos é...

Policial (interrompendo Zé do Povo): vai fala logo com ele que eu te acompanho.

O policial se esconde nas costas de Zé do Povo, empurrando ele para o anjo como um escudo.

Zé do Povo: “Seu” Anjo quero lhe perguntar, se na casa de Deus gente humilde pode entrar.

Anjo: Humildes e puros de coração, só assim a Deus verão.

Zé do Povo: Mas não tem perdão nenhum delito? Unzinho assim que seja. Roubar para comer não é o mesmo que inveja, qualquer um há de saber.

Anjo: Não sou eu quem decide isso! Apenas cumpro o meu ofício. Levo para cima os que forem bons, e os outros que se entendam com aquele...(aponta para o demônio) Até o dia do Juízo Final! Pior que a morte na vida é a morte espiritual.

Zé do povo (para a Policial): Tu viu? Não deu. Agora vai pro inferno tu e eu.

O Demônio ouvindo isso se alegra e já arrasta o policial para o inferno e retorna para buscar o outro infeliz que assiste horrorizado. Zé do Povo em desespero se ajoelha diante da Santa e lhe diz:

Zé do Povo: Senhora de todas famílias, eu lhe imploro neste momento! Livra minha esposa e filhos deste tormento. Não lhes abandone nessa hora de dor, e no futuro, que os leve para junto de Deus Nosso Senhor! Se para o inferno sou levado, na vida nada deixei de bom, que a suplica aos céus seja o legado aos filhos do meu coração.

A Santa (desce do altar ordenando ao demônio): Espera!

O anjo se curva e se afasta. O Demônio se encolhe.

Santa: Eu assisti ao que aqui se passou, e nem um pouco me agradou (olha para o anjo que se encolhe de medo. Volta-se para o Demônio e diz:) — Este que levas agora, ao inferno não pertence.

Demônio: Cumpro o que me foi dito! Mas o mestre vou chamar. (cochichando para a platéia) Em briga de gente grande, nem demônio deve espiar.

Entra o Diabo aparece em seu terno majestoso.

O Diabo: Quem ousa interromper o processo divino de divisão de Almas?

Santa: Aquela que prega a união e o perdão.

Diabo (depois do susto inicial retoma sua postura): Mas isso é contra a ordem das coisas. Todo mundo sabe que o que está em cima sobe e o que está em baixo, desce.

Santa: Não vou discutir contigo o que deve ser feito! Este pediu perdão dos pecados e o perdão foi aceito.

Zé do Povo: Se não for pedir demais, senhora. Pode interceder também pelos que aqui estavam?

Santa: Acabo de te livrar do inferno e queres mais ainda?

Zé do Povo: Dizia a minha vózinha: “A bondade é a gente que faz”. A grandiosidade da Senhora, alcançar ninguém é capaz. Veja quantas tristes histórias este povo aqui contou, muita miséria e desconfiança, alguém tem que lhes dar esperança, ou não haverá futuro para os que ficam do outro lado da vida.

Vão entrando os condenados e se alinhando ao fundo sem que o Diabo e o Demônio percebam.

Diabo: Assim não pode, assim não dá. (ironizando a fala de Zé do Povo ) Chega um cabra do norte e logo o inferno qué esvaziá.

Santa: Ele está certo! Esse pedido não posso negar. Se esse povo sofrido não tiver esperança, como é que o céu vai ficar? Solta essa gente danada que hoje prendeu, e que nova chance lhes seja dada.

Diabo: Diacho, não recuso a ordem dada! (Fica pensativo e retruca) Mas é preciso que haja uma maneira de manter o meu respeito.... Já Sei! Vou mandar todos pro Brasil que aquilo não tem mais jeito. Logo retornam pro inferno e é gente pra daná.

Zé do Povo: Isso é o que veremos, seu Diabo, pela Santa foi dada oportunidade. Se basta um para mudar a situação, que haja um Zé do Povo em cada comunidade. A alegria do povo, há de retornar, e um Brasil novo, nós há de arrumar. Pela educação do povo....

Todos em coro: — O FINAL DESSA HISTÓRIA VAI MUDAR.

E começa o carnaval....

“Isso aqui Oh Oh, é um pouquinho de Brasil IA IA....”

A Farsa de Inês



Adaptação da Obra de Gil Vicente "A Farsa de Inês" por Danny Marks

Apresentação:
Inês é uma moça preguiçosa e sonhadora, acredita que a sua vida é uma eterna rotina e que a única maneira de conquistar a liberdade desse claustro é se casando com um homem interessante que alimente os seus sonhos e estimule o seu desejo.
A imaginação e a mentira andam lado a lado; uma estimula o sonho, eleva o espírito; a outra transforma o sonho em pesadelo e o mundo em um inferno.

Ato I
Personagens:
Inês
Mãe
Amiga 1

Entra Inês reclamando da sua triste vida.
 Inês — Eu não agüento mais, esta vida é uma droga. Sempre as mesmas coisas todos os dias. Estudar, televisão, dormir, acordar. Eu preciso de mais, muito mais, preciso de aventura, de poesia, de romance.

Entra a mãe de Inês
Mãe — Inês, você precisa arrumar o seu quarto, já nem peço para arrumar a casa toda ou fazer o almoço, mas ao menos colaborar um pouco. Você sabe que desde que o seu pai se foi, eu tenho que trabalhar para manter a casa e não posso ficar cuidando de todas as coisas.
Inês — Ah, mãe, é muito chato ter que ficar arrumando as coisas. Veja, eu durmo todo dia na mesma cama, então pra que arrumar se logo depois vai desmanchar de novo? Além disso eu sei onde estão todas as minhas coisas, eu gosto assim mesmo.
Mãe —Minha filha, você precisa aprender a cuidar de si mesma. Eu não vou estar aqui para sempre.
Inês — Eu é que não vou estar, mãe. Um dia eu vou arrumar um bom marido e saio dessa vida besta de uma vez por todas.
Mãe —Do jeito que você é tem que ser um marido rico. Que pague suas contas e tenha muitas empregadas para fazer o serviço da casa. Você nem sabe cozinhar... Quem sabe você até vá morar em uma grande casa? Aí não vai esquecer da sua mãezinha cansada que te sustentou por toda a vida, não é?
Inês — Eu nem me importo se ele não for rico. Tem que ser alguém que tenha poesia no coração, que tenha aventura correndo nas veias, que saiba como tirar da vida o melhor.
Mãe —O melhor é ter um prato de comida e um abrigo. E por falar nisso, deixa eu ir trabalhar que alguém tem que fazer isso nesta casa.
Sai a mãe e entra a amiga de Inês.
Amiga 1 — Oi Inês, que cara é essa?
Inês — Ah, eu to de saco cheio de ficar em casa sem fazer nada. Queria um pouco mais de agitação.
Amiga 1 —Menina, nem te conto, sabia que o DJ Ricardo vai estar fazendo um baile funk na sedinha? Todo mundo está ansioso para ir. Dizem que os bailes dele sempre ficam chapados e é a maior nóia.
Inês —DJ Ricardo? Nunca ouvi falar desse cara.
Amiga 1 — Caramba, você nunca sabe de nada mesmo. O DJ Ricardo é a nova revelação da música, um rapper que mora ali no Vale do Pó e está estourando nas paradas com a sua música Essa Mina Vai Dar Certo. É a nova sensação do pedaço.  Dizem que está ganhando uma fortuna e já tem até contrato com gravadora. Eu comprei um cd pirata com as músicas dele. Imagina, já estão pirateando o cara, e você sabe que só pirateiam o que é bom.
Inês —Ah, não sei, minha mãe sempre fala que essa turma do Vale do Pó é barra pesada...
Amiga 1 —A minha mãe também não gosta, mas ela odeia funk. Eu não quero nem saber, vou nessa balada e quero ficar bem juntinho do palco. Quem sabe ele até não me chame para ser uma das dançarinas. Até comprei uma super mini saia. — aproxima-se da amiga e revela em segredo — estou pensando em não usar nada por baixo...
Inês —Não sei, não tenho dinheiro, minha mãe vive reclamando que as coisas estão caras e que não temos dinheiro para nada.
Amiga 1 — Mas aí é que está o grande lance do DJ Ricardo, mulher acompanhada de um homem não paga pra entrar, e a cerveja é à vontade.
Inês —Mas quem iria me levar para o baile?
Amiga 1 —Pô, Inês, esquece que a sua amiga aqui sempre tem solução pra tudo? Porque não chama o João, ele é caidinho por você. Tenho certeza que não vai negar um pedido seu.
Inês —Ah! O João? Ele é muito bobo, fica babando só de olhar o meu decote. E eu duvido que ele goste de baile funk.
Amiga 1 —Mas aí é que está a grande sacada, mulher. Você convida o João para ir ao baile, entra na faixa e depois que estiver lá dentro dá um perdido. Ele não vai se ambientar e dá o fora e você fica livre para ficar com quem quiser.
Inês —Isso é que eu chamo de Puta Falta de Sacanagem. — Inês ri com a amiga.
Amiga 1 — Não se preocupa que vai ter sacanagem de montão lá no baile.
Inês —Então ta! Vou conhecer esse tal de DJ Ricardo.
Amiga 1 —Você vai gostar. É ele mesmo quem compõe as letras das músicas e dizem que é um cara que não se intimida com nada. O cara impõe respeito na área.
Inês — Mas eu não tenho roupa pra ir, não vou com esses trapos de velha que a minha mãe compra, né?
Amiga 1 —Não esquenta que eu te empresto uma roupas, vamos lá em casa que e você já experimenta algumas.
Inês — Tá legal. Depois eu invento uma desculpa pra minha mãe, ela não pode saber que eu vou em um baile funk. Iria ter um troço.
As duas saem conversando e rindo.

Ato II
Personagens
DJ Ricardo
Bailarina

Entra o DJ Ricardo e a bailarina conversando.
DJ Ricardo — Então está tudo certo para o baile de hoje a noite?
Bailarina — Tudo acertado. Já espalhamos os cartazes por toda a região e já mandei algumas pessoas espalharem o boato de que vai ter cerveja livre. Vai lotar a casa de novo.
DJ Ricardo — É bom mesmo. Estou precisando de uma grana.
Bailarina — Mas e aquela grana que conseguiu com os CDs pirata? Já gastou?
DJ Ricardo — Eu comprei uns panos e um carro. Tenho que manter a minha imagem. Além disso os caras me cobraram uma nota pra fazer os CDs e a polícia ainda apreendeu um monte em uma batida. Vou pedir pros manos colocar um ponto de venda na entrada do baile.
Bailarina —Vai vender só cd?
DJ Ricardo — E mais algumas coisinhas para turbinar a turma
Bailarina — Você não presta mesmo.
DJ Ricardo — Se liga, mina. Você bem que gostou quando eu te coloquei de bailarina, ou prefere ficar encostada no paredão esperando cliente?
Bailarina — Pelo menos eu ganhava mais. Você nem ta pagando direito.
DJ Ricardo — Então volta pra rua. Você só está comigo porque gosta do movimento, e não vem com essa de que não te pago que eu sei bem que está levando uma grana por fora.
Bailarina — O Nelsão está me pagando sim! E daí? Sou eu quem tem que arrumar meninas novas para trabalhar pra ele e nos bailes sempre tem um monte de candidata.
DJ Ricardo — É isso que estraga. Vocês ficam com essas corridas por fora e passa a imagem de que o funk é que corrompe. O Funk é a expressão do povo que nunca teve voz, é a musica da periferia levando a alegria da sensualidade e do sexo para todas as classes sociais.
Bailarina — Fala sério. Não vem com esse discurso pra cima de mim que eu sei que o que você quer é arrumar alguma mina rica que te sustente.
DJ Ricardo — E qual o problema? Se eu arrumar uma dona com grana pra bancar, eu tenho mais tempo pra fazer música, investir no meu talento. Aí quando eu ficar rico pago tudo em dobro.
Bailarina —Você vai ter oportunidade hoje, parece que vai aparecer uma galera de alto nível para ver como é. Essas patricinhas ficam toda interessada na aventura.
DJ Ricardo —Aventura é a minha cara, vou só ficar filmando e quando der o intervalo do Show eu saio na captura.
Bailarina — Então fechou. Você cuida dos teus negócios que eu cuido dos meus.
Saem os dois.

Ato III
Personagens
Amiga II
Inês
DJ Ricardo

Entram Inês e a Amiga II conversando.
Inês — Nossa, é muita gente mesmo, eu tinha que dar uma saída.
Amiga II —Você está ótima hoje, até parece uma daquelas patricinhas. Por falar nisso tem um monte por aqui.
Inês — É verdade. Tem mais mulher que homem.
Amiga II —E o João? Você não veio com ele?
Inês — Eu vim, mas ele já foi embora. Não gosta de baile Funk, só veio porque eu pedi.
Amiga II — O João é apaixonadão por você. Porque não dá uma chance pro cara?
Inês — Ele é legal, mas eu quero alguém mais agitado.
Amiga II — Sei... como o DJ Ricardo?
Inês — Bem que eu gostaria, mas o cara é cheio da grana e tem um monte de mulher em volta dele.
Amiga II —Eu acho que ele ficou interessado. Não tirava os olhos de você durante o Show.
Inês — Que nada, é impressão. Com tanta mulher linda no baile ele nem deve ter me notado.
Amiga II —Você ficou o tempo todo do lado do palco! Tá certo que se a nossa amiga não tivesse passado mal e dado aquele vexame talvez ele não tivesse notado você, mas depois que ele te viu, só ficava olhando pra onde você estava. Eu sei o que estou falando, ele está interessado e... olha quem está vindo ali...
DJ Ricardo — Oi meninas, não estão gostando do Show
Inês — Não! Quer dizer, estamos...
Amiga II — É que estava muito abafado lá dentro e resolvemos tomar um ar
DJ Ricardo — E a sua amiga, está melhor? Vi que ela não se sentiu bem...
Inês — Está sim, ela saiu com o namorado. 
DJ Ricardo — E o seu? Ele deixa você assim desprotegida no meio desses predadores?
Amiga II — Bem, gente, eu tenho que ir a um lugar. Acho que a cerveja está fazendo efeito...
Inês — Eu vou contigo.
Amiga II —Não precisa, volto logo. Se o DJ Ricardo não se incomodar de ficar com você um pouco...
DJ Ricardo —Pode deixar que eu cuido dessa nobre donzela. Está comigo, está com Deus!
A amiga sai deixando os dois sozinhos.

DJ Ricardo —Será que o seu namorado não vai ficar com ciúmes? Não quero causar problemas pra você.
Inês —Não vim com o namorado.
DJ Ricardo — Noivo, marido, amante?
Inês — Eu não tenho ninguém. Ainda estou procurando alguém especial.
DJ Ricardo — Bacana, e posso saber como seria o felizardo?
Inês — Alguém que goste de poesia, que goste de aventura, que ame a vida...Eu devo estar parecendo uma boba, né? Imagina esse papo romântico. Ainda mais para alguém como você...
DJ Ricardo — Mas eu também estou procurando alguém assim.
Inês — Jura!?
DJ Ricardo — Claro. Eu venho de uma comunidade onde as pessoas tem uma vida dura, isso acaba destruindo a poesia, os sonhos. Começam a pensar que a vida não presta e que só sobrevive quem é duro e seco.
Inês — Eu sei como é...
DJ Ricardo —Pode parecer que eu seja daqueles caras que tem uma mulher em cada canto, mas  vou confessar pra você, o que eu busco mesmo é uma mulher que guarde o meu coração como se fosse uma jóia, dentro do peito dela, por toda a minha vida.
Inês — Nossa que lindo! Nunca vi um homem falar desse jeito. Você é um poeta mesmo.
DJ Ricardo —Entre outras qualidades, Deus me deu esse dom de colocar em versos e músicas os sentimentos.  E a sua presença me inspirou mais ainda.
Inês — Eu fico lisonjeada.
DJ Ricardo —Vou ter que voltar para o palco, mas queria conversar mais com você. Será que pode me dar o seu telefone e combinamos uma conversa mais prolongada?
Inês — Claro.
Trocam telefones.

DJ Ricardo — Não tem problema se eu ligar? Não vou atrapalhar o seu trabalho?
Inês — Ah, não atrapalha não, eu não trabalho, só estudo. A minha mãe quer que eu siga com os negócios da família.
DJ Ricardo — Sério? Bacana isso. E qual é o negócio da família?
Inês — Nós trabalhamos com produtos de limpeza e higiene em geral e...
DJ Ricardo — Desculpa te interromper, já estão me chamando. Mas vamos continuar essa conversa depois. Quer assistir o show do palco? Eu te arrumo um lugar no canto.
Inês — Sério?
DJ Ricardo — Claro, princesa. O melhor para você é pouco.
Inês — Então ta, eu topo.
Saem os dois de mãos dadas.

Ato IV
Personagens
Bailarina
DJ Ricardo

Bailarina —  Você é um traidor mesmo. Todo esse tempo que eu venho te ajudando e agora vai se casar com aquela piranha?
DJ Ricardo — Se liga! Eu sempre te dei uma força. Se não fosse pelo meu sucesso você não teria conquistado nada na vida.
Bailarina — Sucesso? Que sucesso? Está cada vez mais difícil arrumar algum lugar para fazer show. Aquela gravadora que estava interessada já arrumou outro melhor que você. Está cheio de dívidas e continua gastando um monte por conta dessa vagabunda que arrumou.
DJ Ricardo — Epa! Não fala assim da minha noiva. Ela é filha de uma empresária e logo eu vou ser empresário também, e quem estiver comigo  vai se dar bem – se aproxima da bailarina insinuosamente.
Bailarina — Sai fora! Quer ficar com a tal “empresária” então ta! Pega ela pra você, e pega também todas as suas contas que eu já estou cansada de ficar te bancando.
DJ Ricardo — Que é isso, amor. Essa coisa toda é só um negócio. Nós dois podemos continuar juntos e...
Bailarina — Vai se ferrar
DJ Ricardo — Ah, vai você então...
Saem os dois um pra cada lado.

Ato V
Personagens
Mãe de Inês
Inês
Amiga 1
Entra mãe de Inês e Inês conversando
Mãe de Inês — Poxa, filha, você sumiu. Eu tive que vir na sua casa pra te ver...
Inês — Casa...Até parece que este barraco é uma casa.
Mãe de Inês — Calma, o seu marido vai conquistar o sucesso e vocês vão melhorar de vida.
Inês — Mãe, não entende? O Ricardo é um malandro, ele só casou comigo porque pensou que eu era filha de uma empresária.
Mãe de Inês — De onde ele tirou isso?
Inês — Tá, eu aumentei um pouco, mas eu achei que ele era um cara cheio do dinheiro e que ia me dar uma vida boa. No fim, ele só me dá é surra e me tranca em casa quando vai sair. Morre de ciúmes e está cada vez mais endividado
Mãe de Inês — Meu Deus, minha filha. Porque não me falou antes? Precisa ir na polícia e denunciar esse pilantra.
Inês — Se eu fizer isso ele me mata...
Entra a amiga de Inês

Amiga 1 — Puxa, então vocês já estão sabendo?
Mãe de Inês — De quê?
Inês — De quê?
Amiga 1 — Mataram o DJ Ricardo. Encontraram o corpo lá na maré. A polícia suspeita que foi por causa de dívida com agiotas
Inês começa a chorar

Mãe de Inês — Não chore por aquele traste, minha filha. Ele bem que mereceu isso.
Inês — Não é por ele que eu estou chorando, mãe. Agora estou viúva e sem dinheiro, sem vida e sem mais nada. Eu queria estar morta também.
Amiga 1 — Não é por nada não, mas eu acho que tenho uma boa notícia.
Mãe de Inês — Qual?
Inês — Qual?
Amiga se aproxima das duas e fala em tom de confidência.

Amiga 1 — Pelo que eu fiquei sabendo, quem mais comemorou a morte do Ricardo foi o João. – faz uma pausa dramática antes de continuar – Eu acho que ele ainda gosta da Inês.
Mãe de Inês — O João? Mas aquele é um zero a esquerda.
Inês — Pelo menos é trabalhador
Amiga — E tem uma bela casa para morar. Soube que foi promovido a chefe de seção e passou a ganhar melhor.
Mãe de Inês — Ah, mas minha filha merecia alguém melhor. Um Gentleman.
Inês — Mais vale um trabalhador que nos sustente que um gentleman que nos arrebente.
Amiga 1 — Se eu fosse você, Inês, não perdia tempo. A mulherada está toda dando em cima do João por conta do carro novo que ele comprou.
Mãe de Inês — Carro novo?
Inês — Não sei, acho que o João não vai me aceitar de novo. Ainda mais depois de...
Amiga 1 — Deixa comigo que eu arrumo tudo. Amiga é pra essas coisas, né?  Depois você me convida pra madrinha de casamento.
As três saem conversando sobre os planos.

Ato VI
Personagens
Inês
João
Amiga 1
Entra João, Inês e a amiga.
Inês — Poxa, João. Você não vai querer que eu me divirta? Sempre diz que quer a minha felicidade...
João — Mas Inês, você sabe que eu não gosto de Baile Funk. E além do mais, você deveria ter ódio dessas coisas.
Amiga 1 — Deixa de ser bobo, João. Não tem nada demais nesses bailes. As pessoas vão pra balada pra se divertir. Se você aprendesse a dançar poderia ir junto.
Inês — O João é mais duro que uma porta. Só consegue ir, nem voltar dá jeito.
João — Eu tenho que acordar cedo pra trabalhar, amanhã vai ter auditoria na empresa e preciso preparar algumas coisas...
Amiga 1 — E o trabalho é mais importante que a esposa? Desde quando? É por isso que eu nunca vou querer casar. Os homens pensam que compram as esposas e podem guardar elas para uso pessoal. Como se fosse uma escova de dente. Depois que fica velha é só jogar fora. Eu Hein! Casar nunca.
Inês — Ah, vai João. Faz tempo que eu não saio para me divertir...
João — Mas você saiu na semana passada, e na anterior também. Eu não lembro de um fim de semana que não tenha ido para alguma balada, cinema, jantar com as amigas...
Amiga 1— Coisas de mulher, né, João! Não confia na esposa? Então porque casou?
João — Tá bom, mas eu só vou levar, não gosto dessas festas malucas. E quando for sair me liga que eu vou te buscar, não é certo uma mulher ficar andando sozinha de madrugada.
Amiga 1 —Obrigada!
João — Não quis dizer que você não é ninguém é que...
Amiga 1 —Tá, tudo bem. Eu aproveito e volto junto. Pode ser?
João — Tudo bem. Melhor assim. Tudo para agradar a minha linda mulherzinha que eu amo de paixão. Deixa eu me trocar e já vamos.
Sai João e ficam Inês e a amiga conversando.

Inês — Ele não é um amor? Faz tudo o que eu mando. É o marido ideal.
Amiga 1 — Então porque mete chifre nele?
Inês — Porque o marido ideal é aquele que paga as contas e deixa a mulher livre para se divertir. Depois eu dou uma compensação para ele ficar feliz.
Amiga 1 — Sabia que hoje vai ser a estréia de um novo DJ? Dizem que o cara é o maior gato e está cheio da nota...
Inês — Sério? Mas eu acho que não estou com essa bola toda. Engordei uns quilinhos...
Amiga 1 — Que nada, está ótima! Eu te apresento ele e...

Entra João

João — Pronto, vamos, eu levo vocês.
Inês — Você se importa se eu for no banco de trás com a minha amiga?
Amiga 1 — É, precisamos conversar algumas coisas e já que você não vai entrar no baile mesmo...
Inês — Ah, e quando chegar lá, você abre a porta pra gente descer. Acho maior chique quando um homem abre a porta para a mulher. Um gentleman!
João —Tudo para ver a minha princesa feliz. Eu sou o homem mais feliz do mundo por ter uma mulher assim...

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