quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Autora Desconhecida - Texto Ótimo

 (Autor Desconhecido, supostamente trata-se de uma redação feita por uma aluna do curso de Letras, da UFPE Universidade Federal de Pernambuco - (Recife), que venceu um concurso interno promovido pelo professor titular da cadeira de Gramática Portuguesa. - Infelizmente não foi possivel verificar a veracidade disso, mas o texto é ótimo)
Danny Marks


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Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam no elevador. Um substantivo masculino, com um aspecto plural, com alguns anos bem vividos pelas preposições da vida. E o artigo era bem definido, feminino, singular: era ainda novinha, mas com um maravilhoso predicado nominal.

Era ingênua, silábica, um pouco átona, até ao contrário dele: um sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanáticos por leituras e filmes ortográficos. O substantivo gostou dessa situação: os dois sozinhos, num lugar sem ninguém ver e ouvir. E sem perder essa oportunidade, começou a se insinuar, a perguntar, a conversar.

O artigo feminino deixou as reticências de lado, e permitiu esse pequeno índice. De repente, o elevador pára, só com os dois lá dentro: ótimo, pensou o substantivo, mais um bom motivo para provocar alguns sinônimos. Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador recomeça a se movimentar: só que em vez de descer, sobe e pára justamente no andar do substantivo. Ele usou de toda a sua flexão verbal, e entrou com ela em seu aposto.

Ligou o fonema, e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma fonética clássica, bem suave e gostosa. Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um hiato com gelo para ela. Ficaram conversando, sentados num vocativo, quando ele começou outra vez a se insinuar.

Ela foi deixando, ele foi usando seu forte adjunto adverbial, e rapidamente chegaram a um imperativo, todos os vocábulos diziam que iriam terminar num transitivo direto.

Começaram a se aproximar, ela tremendo de vocabulário, e ele sentindo seu ditongo crescente: se abraçaram, numa pontuação tão minúscula, que nem um período simples passaria entre os dois. Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula; ele não perdeu o ritmo e sugeriu uma ou outra soletrada em seu apóstrofo. É claro que ela se deixou levar por essas palavras, estava totalmente oxítona às vontades dele, e foram para o comum de dois gêneros.

Ela totalmente voz passiva, ele voz ativa. Entre beijos, carícias, parônimos e substantivos, ele foi avançando cada vez mais: ficaram uns minutos nessa próclise, e ele, com todo o seu predicativo do objeto, ia tomando conta.

Estavam na posição de primeira e segunda pessoa do singular, ela era um perfeito agente da passiva, ele todo paroxítono, sentindo o pronome do seu grande travessão forçando aquele hífen ainda singular. Nisso a porta abriu repentinamente. Era o verbo auxiliar do edifício. Ele tinha percebido tudo, e entrou dando conjunções e adjetivos nos dois, que se encolheram gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e exclamativas. Mas ao ver aquele corpo jovem, numa acentuação tônica, ou melhor, subtônica, o verbo auxiliar diminuiu seus advérbios e declarou o seu particípio na história.

Os dois se olharam, e viram que isso era melhor do que uma metáfora por todo O edifício. O verbo auxiliar se entusiasmou e mostrou o seu adjunto adnominal.

Que loucura, minha gente. Aquilo não era nem comparativo: era um superlativo absoluto. Foi se aproximando dos dois, com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo do sujeito apontado para seus objetos. Foi chegando cada vez mais perto, comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo, propondo claramente uma mesóclise-a-trois. Só que as condições eram estas: enquanto abusava de um ditongo nasal, penetraria ao gerúndio do substantivo, e culminaria com um complemento verbal no artigo feminino.

O substantivo, vendo que poderia se transformar num artigo indefinido depois dessa, pensando em seu infinitivo, resolveu colocar um ponto final na história: agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, jogou-o pela janela e voltou ao seu trema, cada vez mais fiel à língua portuguesa, com o artigo feminino colocado em conjunção coordenativa conclusiva.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010


O mau


Não é teu cheiro
nem tuas idéias que me conquistam.
É mesmo a textura e o calor da tua pele.
Do teu corpo grande
é a tua mão infantil que combina comigo
Ela encontra os meus prazeres
deixa-os totalmente entregues a nós dois.
E a tua boca, os teus beijos invasivos,
as ancas que se prendem,
libertam os suspiros,
os gemidos, os nossos encantos.
E porque és mau me dás o que tens de bom
sem reservas, sem anseios.

Anne Fonseca

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

O Sábio da Montanha - Danny Marks

 Ele chegou com seu carro importado perseguido por uma nuvem de poeira. O terno bem cortado não era problema naquele sol. Parou ao lado do homem que estava sentado à sombra de uma arvore e lançou-lhe uma baforada fresca e perfumada quando abriu o vidro para perguntar:
            — Meu velho, sabe onde fica a casa do “Sábio da Montanha”?
            — Sim, senhor. Claro que eu sei onde fica.
— E pode me dizer aonde fica?
            — Claro, senhor. Essa informação não vai lhe custar nada não. Está vendo aquela montanha – disse apontando para um lugar próximo, fora da estrada.— No alto dela verá a casa do Sábio da Montanha. É só ir reto que vai chegar lá.
            Ele fez uma careta. Seu carro seria destruído se fosse enfrentar aqueles buracos e pedras na planície sem estrada.
Como se conseguisse ler os pensamentos do estranho o velho disse suavemente. — Com esse carro não dá pra ir por ai não. Precisa de um jipe. Posso lhe alugar um se quiser.
— Sim, vou deixar o carro aqui e pego o seu jipe, então.
Depois de acertada a estadia do carro e o aluguel do jipe, o homem segue em direção a montanha.
Quando estava próximo do sopé o carro parou, tinha acabado a gasolina. O homem olhou em volta e avistou uma cabana, foi até lá pedir alguma ajuda.
Um velho homem arrumava em uma enorme cesta alguns mantimentos.
— Senhor, preciso de gasolina, tenho que subir a montanha e o meu jipe está sem combustível. O Senhor teria algum para me vender?
— Claro! Mas deste lado da montanha as trilhas são estreitas e somente um cavalo consegue subir o primeiro trecho do terreno.
Ele já estava ficando irritado com o calor e o cansaço.
— Droga, onde eu vou arrumar um cavalo?
— Eu alugo o meu pro senhor, faço um preço bem baratinho. Pode deixar que tomo conta do jipe também.
Ele pagou o combustível para o jipe e o preço do aluguel do cavalo.
Subiu durante algum tempo até que a trilha ficou mais íngreme, e o cavalo se recusou a continuar. Com sede começou a praguejar com o cavalo que não saia do lugar não importava o que fizesse. Foi quando viu um velho se aproximando com um burrico.
Sentiu um cheiro delicioso de comida e só então percebeu que estava morrendo de fome. Parou o velho e lhe perguntou.
— Senhor, estou com sede e fome, poderia me dar um pouco dos seus mantimentos? Meu cavalo se recusa a subir a montanha e tenho que chegar a casa do Sábio.
— Pode se servir a vontade, não vou cobrar-lhe a comida. Mas se quer subir a montanha vai precisar de um burro. Nenhum cavalo subiria isso não.
— E, por acaso, o senhor pode alugar o seu burro, para mim?
— Porque não? Posso alugar o burro e o senhor leva também a comida. Levo o cavalo para baixo e o coloco no estábulo.
Acertado os valores Ele subiu outro trecho, estava quase no topo quando se deparou com um paredão de rocha.
— E essa agora? Só com um equipamento de alpinismo consigo subir isso.
— O Senhor quer equipamento de alpinismo? Eu posso alugar um...
Foi quando pode perceber um velho sentado em um tronco de arvore meio caído. Ao seu lado um equipamento de alpinismo.
Depois de algumas horas de escalada, chegou ao topo. Cansado, suado, com as roupas destroçadas, mas satisfeito. Tinha conseguido superar as dificuldades e alcançado o topo.  Agora era só procurar o Sábio.
Olhou a volta e viu um carro importado se aproximando. No volante um velho bem vestido. O carro parou ao seu lado e abriu a porta. Só então ele reconheceu o carro.
— Ei! Esse é o meu carro, e você... É o velho do jipe....
— Sim! Isso é verdade.
— Espere. Também foi você que me alugou o cavalo, o burro, o equipamento de alpinismo...
— Vai entrar ou vai continuar a pé?
Entrou rapidamente como carona de seu próprio carro.
— Mas... Como chegou aqui?
— Pela estrada do outro lado da montanha. De onde estava bastava seguir em frente mais meia hora e pegar a pista a esquerda.
— E porque não disse isso logo?
— Porque não me perguntou. Queria saber onde era a casa do Sábio da Montanha e lhe mostrei. Depois decidiu pegar o caminho mais curto e eu lhe ajudei. Veio disposto a encarar qualquer dificuldade para adquirir a sabedoria e foi o que lhe dei. Em qualquer ponto da jornada teria sido mais fácil voltar e começar de novo, mas você preferiu insistir. Superou as dificuldades e merece o mérito por isso. Mas, isso é persistência; Sabedoria é escolher o caminho correto.
— Agora vai me dizer que não existe esse Sábio da Montanha, não é?
— Claro que existe. Eu sou o Sábio da Montanha. Já fui um empresário muito rico, mas por achar que a persistência venceria qualquer dificuldade fui perdendo os bons conselhos que os sábios a minha volta me davam. Não demorou para os sábios irem embora também, até só restar esta montanha e algumas terras ao redor. Não produzia nada, não tinha valor algum. Fui obrigado a vir morar aqui e passei a repensar tudo o que tinha feito de errado. Descobri que havia sempre duas formas de encarar um problema, com coragem ou com sabedoria. Ao aprender isso resolvi meu problema, construí um hotel no alto da montanha e uma estrada de acesso que fica do outro lado. Dei o nome ao hotel de Sábio da Montanha, e espalhei algumas histórias sobre quem encontrasse o segredo da montanha teria o mesmo conhecimento do Sábio que morava lá no alto.
— Seu trapaceiro. Isso é enganar as pessoas....
— Não, isso é propaganda! O segredo da montanha é que existem dois caminhos que levam ao topo, um fácil e um difícil, mas você só aproveita o fácil corretamente se tiver pego o caminho difícil ou já for um sábio.
— Deixa pra lá. Dê-me o carro e vou embora.
— Já que está por aqui, porque não toma um banho e descansa? Temos uma excelente hospedagem, uma loja de roupas, um bom restaurante...
Ele pensou um pouco e acabou aceitando. Então lhe veio a cabeça uma coisa que deixara escapar...
— Espere ai! Como você conseguiu chegar sempre antes de mim em todos os lugares?
— Isso não é obvio? Se não conseguisse fazer isso, não seria o Sábio da Montanha, não é mesmo?
E os dois foram rindo o resto do caminho.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

CARCAVELOS BY NIGHT

Moment Of Peace - Gregorian

(tradução) Gregorian  
VERSO 1:
Em um momento de paz.
Venha agora, venha para o nosso lado
Um lugar onde você pode se esconder
Nós somos o brilho do Sol
Descanse sua alma aqui e você encontrará
Nós somos a energia
Nós damos o mundo a vós
Mantenha seu coração forte agora
Nós vamos apaziguar a dor da sua mente
REFRÃO:
Em um mundo sem perigos,
Onde a destruição está próxima
Você pode vir conosco aqui.
Onde as pessoas são estranhas
Você vai descansar aqui comigo
Em um momento de paz.
(Repete)
VERSO 2:
Ilumine a escuridão abaixo
Veja através das estrelas
Alcance o fluxo da Terra
Vagueie na alegria de nossos corações
Libere a energia
Saboreie do vinho
Beba como uma alma que sabe agora
O poder divino
REFRÃO
Em um momento de paz.

http://www.vagalume.com.br/gregorian/moment-of-peace-traducao.html#ixzz17L0gMVWQ

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Sobre Homens e Tulipas - Danny Marks


          O Jovem parou em frente ao portão de ferro que guardava a entrada da mansão, tocou a campainha e aguardou.
            Estava com seu terno novo, e apesar do calor, tremia. Não era de frio, apenas nervoso. Tinha enviado seu currículo para uma empresa e fora convidado a comparecer naquele local.
            Um homem idoso, se aproximou e lhe disse.
            — O que deseja?
            — Eu fui convocado para vir aqui, estou interessado em ocupar a vaga que ofereceram e...
            — Ah, sim, venha comigo.
            Abriu o portão e começou a se dirigir para um local afastado da casa.
            Enquanto o recém chegado andava atrás do velho, reparou que este usava roupas gastas sujas de terra. Deve ser o jardineiro, pensou.
            Ao chegarem próximos de um canteiro de tulipas o velho lhe disse.
            — São muito delicadas e precisam de certo cuidado para plantá-las. Já plantou tulipas?
            — Não, nunca tive oportunidade...mas é que...
            — Venha! Vou lhe mostrar como se faz.
            E com todo cuidado mostrou ao rapaz como se plantava a tulipa. Depois pegou outra e a entregou ao jovem.
            — Tente você agora...Talvez não tenha outra oportunidade para aprender a fazer corretamente...
            O jovem ficou indeciso, poderia se sujar todo e ficaria mal apresentado quando fosse ser entrevistado, mas o velho era simpático e parecia achar aquilo muito importante. Quem sabe se tomasse cuidado...
            Pouco a pouco foi fazendo como o velho lhe dizia e acabou plantando a tulipa, porém, sujara a roupa.
            — Caramba, e agora, preciso me apresentar bem para o seu chefe. Deste jeito ele nem vai querer me ouvir...
            — Posso lhe emprestar uma roupa.
            O jovem ficou pensando, que tipo de roupa o jardineiro teria para lhe emprestar, mas para não desagradar o homem resolveu aceitar.
            Foram até uma pequena casinha onde o velho lhe deu uma roupa limpa mas, gasta pelo uso.
            E lá se foi meu emprego, pensou o rapaz. Talvez se pudesse explicar o ocorrido... Perguntou para o jardineiro onde poderia encontrar o local das entrevistas.
            — Ali na casa grande, já tem alguns esperando lá...
            — Então deixe-me ir, já devo estar atrasado. Obrigado por me ensinar a plantar tulipas. Talvez precise arrumar emprego de jardineiro.
            — Ora meu jovem, tudo o que se aprende é usado, até quando menos se espera.
            Apressado o jovem foi até onde o velho lhe indicara, e lá encontrou com mais três que esperavam ser atendidos. Imediatamente viu o olhar de zombaria dos outros, todos de terno, e ele com as roupas do jardineiro.
            Pensou em ir embora, mas o que tinha mais a perder? Resolveu ficar.
            Logo entrou um senhor com um belíssimo terno e um sorriso cativante, cumprimentou a todos e abriu uma pasta onde se estavam alguns papeis.
            — Vejo que todos foram aprovados nos testes iniciais, e gostaria de lhes dar os parabéns, mas nossa empresa necessita de Pessoas Especiais para o cargo que estão angariando.
            — Eu tenho vinte anos de administração, sou....
            — Sim, claro. — disse o senhor interrompendo o candidatos afoito — Sei que quase todos aqui, têm experiência em empregos anteriores, exceto nosso jovem amigo...
             O jovem que já estava sem jeito pelas roupas acabou tendo que suportar o riso mal disfarçado dos colegas.
            — Porém, buscamos experiência de outro tipo. — Continuou o anfitrião — Como já disse, nossa empresa precisa de pessoas especiais, com qualidades especiais. Para isso preparamos um ultimo teste, aquele que conseguir passar, terá o emprego.
            Conduziu-os até uma sala onde se viam tulipas esperando para serem plantadas em vasos.
            — Plantem uma Tulipa e sejam nossos novos funcionários. — disse o anfitrião, sério.
            O jovem agradeceu mentalmente a sorte que teve e fez como o jardineiro havia lhe ensinado. Não se preocupou com as roupas, compraria outra para o jardineiro como agradecimento.
            Os outros evitando se sujar acabavam quebrando a delicada planta.
            — Isso é ridículo. — disse um dos candidatos furiosos.— O que plantar tulipas provará sobre minha capacidade de trabalho que minha experiência anterior não tenha provado?
            — Prova muito! Para mim.
            Todos olharam para aquele que havia entrado na sala, Era o velho do jardim, só que agora usando roupas bem cortadas.
           — Todos vocês passaram pelo mesmo teste. A cada um de vocês chamei para ensinar como plantar tulipas, mas somente um se dignou a aprender. Somente um mostrou respeito por um desconhecido e ignorando seus problemas pessoais procurou ser gentil. Quando as dificuldades aumentaram, poderia ter desistido, se rendido a uma situação, mas não o fez. Não me importa o motivo, me importa a atitude.
            — Mas... Você é o jardineiro....— disse outro candidato.
            — Desculpem, foi uma falha minha, senhores! — Interrompeu o anfitrião — Quero lhes apresentar o contratante. Este é o patrão! Ele adora tulipas. Poucas pessoas tocam em suas espécies raras. Essas mesmas que estavam manipulando com...um certo cuidado.
            — As tulipas são como as pessoas — disse o patrão — precisam mais do que técnicas, precisam de respeito, que as tratem como se fossem únicas de sua espécie, porque muitas vezes o são. Técnica eu posso ensinar a qualquer um, mas vivência e respeito, somente a vida pode ensinar.
            — Mas isso é um insulto, ser discriminado por não saber plantar tulipas.
            — Não, rapaz! Não vou contratar alguém tão arrogante que não queira aprender algo novo, ou tão imaturo que necessita ver cargos e não qualidades para ter respeito. Minha empresa precisa de pessoas que comandem as máquinas, não o contrário. Saiam! Melhor sorte da próxima vez. — então voltou-se para o único que conseguira plantar a Tulipa — Quanto a você, meu jovem amigo, no bolso de sua calça está o contrato de trabalho. Se ainda quiser pode assiná-lo e devolve-lo junto com as roupas. Não sei quando elas poderão ser úteis novamente.

O quê é o Belo? Variantes da Beleza Feminina.

Só de Sacanagem - Elisa Lucinda (também na voz de Ana Carolina)



Só de Sacanagem - Elisa Lucinda

Meu coração está aos pulos!
Quantas vezes minha esperança será posta à prova?
Por quantas provas terá ela que passar?
Tudo isso que está aí no ar, malas, cuecas que voam
entupidas de dinheiro, do meu dinheiro, que reservo
duramente para educar os meninos mais pobres que eu,
para cuidar gratuitamente da saúde deles e dos seus
pais, esse dinheiro viaja na bagagem da impunidade e
eu não posso mais.
Quantas vezes, meu amigo, meu rapaz, minha confiança
vai ser posta à prova? Quantas vezes minha esperança
vai esperar no cais?
É certo que tempos difíceis existem para aperfeiçoar o
aprendiz, mas não é certo que a mentira dos maus
brasileiros venha quebrar no nosso nariz.
Meu coração está no escuro, a luz é simples, regada ao
conselho simples de meu pai, minha mãe, minha avó e
dos justos que os precederam: "Não roubarás", "Devolva
o lápis do coleguinha",
" Esse apontador não é seu, minha filhinha".
Ao invés disso, tanta coisa nojenta e torpe tenho tido
que escutar.
Até habeas corpus preventivo, coisa da qual nunca
tinha visto falar e sobre a qual minha pobre lógica
ainda insiste: esse é o tipo de benefício que só ao
culpado interessará.
Pois bem, se mexeram comigo, com a velha e fiel fé do
meu povo sofrido, então agora eu vou sacanear:
mais honesta ainda vou ficar.
Só de sacanagem!
Dirão: "Deixa de ser boba, desde Cabral que aqui todo
o mundo rouba" e eu vou dizer: Não importa, será esse
o meu carnaval, vou confiar mais e outra vez. Eu, meu
irmão, meu filho e meus amigos, vamos pagar limpo a
quem a gente deve e receber limpo do nosso freguês.
Com o tempo a gente consegue ser livre, ético e o
escambau.
Dirão: "É inútil, todo o mundo aqui é corrupto, desde
o primeiro homem que veio de Portugal".
Eu direi: Não admito, minha esperança é imortal.
Eu repito, ouviram? IMORTAL!
Sei que não dá para mudar o começo mas, se a gente
quiser, vai dá para mudar o final!

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