terça-feira, 21 de junho de 2011

MENINA DESENGONÇADA - Lariel Frota


Menina desengonçada,
Do cabelo pixaim,
Do outro lado da rua,
Ri de mim,ou pra mim!
Eu que lavo panelas,
Achando o serviço sem graça.,
Que ao limpar as janelas,
Vejo através da vidraça
Pedaços de história, sequelas,
Sem nexo, esquisitos,
Sonhos virando fumaça.
É vida acontecendo,
Em tudo que ela tem de fugaz...
Você menina sózinha,
Com seu eterno porque
Sem respostas eu é que pergunto:
O que eu fiz de você????



(Do Livro Amaflor)




















O mastro está a meia bandeira, O maestro sorri meio em dó-menor, O rastro silencia a meias palavras, O destro segreda seus meios termos, A moça respira suas meias verdades, A melodia respira meio tons, A flor acena meia pétala de adeus, A estrada redesenha seus meios-fios, E o olhar nu decifra seus meios verões, E na varanda antiga encontro suas metades felizes, E no varal suas meias descansam em serenatas, E a janela por fim respira inteiras saudades... baumann(noite)

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Retrôvisão - Danny Marks

 Eu paro o carro do outro lado da rua, por instinto, meus olhos ainda colados na aparição emoldurada no retrovisor. A noite quente faz com meus hormônios fervam, quase dá pra sentir o meu desejo correndo pela rua deserta e escura como um lobo perseguindo a sua presa. Desço do carro procurando lentamente a chave do portão, as mãos cegas por aquele corpo apertado em jeans escuros.
Nossos olhos se beijam em pleno espaço. Ela chama por um nome que não é o meu. Grita alto. Dá alguns passos e volta. Grita de novo. Não encontra a minha atenção.
A chave presa por um cordão no cinto é içada como um peixe que se recusa a sair do bolso quente. Ela se aproxima. Eu acendo um cigarro e sopro a fumaça com força.
— Você mora aqui?
            O perfume dela me agride por entre a fumaça. Reparo na boca delicada, os seios arfantes tentando escapar do aperto da blusa sem alças.
            — Moro.
            — Você é policial? Tira? Alguma coisa assim?
            — Eu pareço ser policial?
            — Se for tudo bem. Pode dizer. Não tenho problema nenhum com a polícia. Nunca vi você aqui antes. Você mora mesmo aqui? Eu estou morando na casa em frente. Você é policial, não é?
            Avalio a situação. Vejo as mãos tremulas dela, a mentira, curiosidade. A adrenalina corre pelas veias intumescidas com o vigor de uma explosão.
            — Você precisa de alguma coisa?
            — Acho que estavam tentando assaltar a minha casa. Eu moro sozinha. Quer dizer, a minha mãe mora comigo, mas eu não moro mais com a minha mãe. Às vezes eu fico na casa do meu pai. Ele vai morar aqui agora. Quem iria querer assaltar a minha casa? Eu sou muito boa pras pessoas, dou comida quando precisam, sabe?
            Fico pensando em como seria delicioso apertar aqueles seios em minhas mãos, beijar aquela boca que não para de falar. Há uma química soprando por entre as esquinas e me golpeando de dentro para fora.
            — A sua mulher deve estar te esperando.
            — Não sou casado.
            — Mas deve ter alguém te esperando, não é? Você sempre chega a essa hora?
            — Não, está tudo bem. Quer que eu ajude em alguma coisa? Se estiver sozinha...
            — Você pode me dar uma carona? Você é policial, não é? Tem cara de policial. Desses que ficam escrevendo, como é mesmo o nome?
            — Escrivão. Não sou.
            — Não tem problema se for, pode falar. Pode me levar até a casa da minha mãe? Eu não quero ficar sozinha com alguém rondando a minha casa.
            Ela entra no carro e eu dirijo por algumas quadras até que ela manda parar em uma rua escura. Ela me dá um beijo suave na boca. Minha tensão aumenta. Olho pelo retrovisor, outra rua deserta e escura.
            — É aqui que sua mãe mora?
            — Você não gostou de mim?
            — O que você quer? Parece que fumou demais.
            Ela pega outro cigarro meu e acende. Puxa um dos seios por cima da blusa deixando-o mais esmagado ainda.
            — Não faça isso. Se quiser abrir a blusa abra, desse jeito vai se machucar.
            — Você não é gay que eu já vi, mas é muito estranho. Muito sério. Eu tenho medo de homens que não sabem rir.
            — Por que eu deveria estar rindo? Só estou tentando entender o que você quer. Então decido se posso atendê-la.
            Ela passa a mão sobre a minha calça enquanto me morde a orelha.
            — Eu estou tentando conseguir uma grana para ir no “Fantastic” sábado. É isso. Não fumei nada não. Eu tenho maconha aqui, se você quiser. Pronto, pode me prender agora. Eu sabia que era policial.
            — Eu não vou te prender. Não pago por sexo, se é isso que quer. Nunca paguei antes. E não vou começar agora.
            — Você é muito estranho. E bonito também. Não vou conseguir nada com você não é mesmo?
— Você não é prostituta, não é boa com isso. Deveria tentar outra coisa pra arrumar dinheiro. É muito bonita. Se quiser eu posso ajudar.
— Não vai me dar dinheiro, preciso de grana.  Pode me levar até a próxima esquina?
            Eu levo. Paro em um lugar mais iluminado. Ela reclama. Eu não ligo.
            — Você é muito inteligente. Queria ter conhecido você antes. Vou embora.
            — Pode ficar se quiser. Eu gostaria. Não precisa mentir pra mim.
            Ela apenas faz um carinho no meu rosto e sai. Depois muda de idéia volta e me dá um beijo demorado, suave e perfumado. Vejo um reflexo úmido no olhar dela.
            Então sai e vai encontrar-se com algumas pessoas que estavam conversando próximas. Fala alguma coisa com eles e depois segue ainda fumando o ultimo cigarro que eu lhe dei.
            Eu acendo um cigarro para mim. A noite está mais fria agora.
            Eu não a vejo voltar-se enquanto observo o retrovisor. O motor rodando lentamente em ponto morto. Engato o carro e sigo em frente.
            Algumas coisas eu simplesmente jamais vou ficar sabendo e preciso aprender a aceitar isso. Ainda vejo no retrovisor o beijo dela na minha boca e a casa em frente a minha. Vazia como sempre esteve.

ROSTO LINDO - Rogério Camargo


O rosto lindo na janela e a luz
que vem de dentro como o sol de dentro,
que deixa conhecer o que é do centro
por toda a claridade que conduz.


O rosto lindo na janela e eu pus
meus olhos para além do firmamento
contido nas estrelas do momento,
por onde a força de viver me induz.

Saber de ti, saber de ti, saber,
atravessar todo o deserto escuro
e, como o sol, chegar a essa janela.

E na beleza desse rosto a ver,
ter muito mais certeza do que juro,
a alma ajoelhada diante dela.
14.06.2011

LINDA TRISTE - Rogério Carmargo

O rosto triste da menina linda,
olhando num futuro que lhe falta,
tentando ver o que não viu ainda
mas que, porém, a outros olhos salta. 

Como nada termina quando finda,
o rosto da menina é uma ribalta
aonde o espetáculo é a vinda
da sombra de uma estrela muito alta.

Inalcançável sonho de estar perto,
doendo como dói o peito aberto
à espera de uma luz que nunca vem.

O rosto lindo da menina triste
é como uma esperança que resiste
quand’outras esperanças já não tem.

ROGÉRIO CAMARGO
18.06.2011

Matemática de Mendigo - Autor Desconhecido

Recebido por email, mas impossível não apreciar um texto desses. Infelizmente não sei o nome do autor, mas...
Que Deus lhe pague!!!

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Tenho que dar os parabéns ao estagiário que elaborou essa pesquisa, pois, o resultado que ele conseguiu obter é a mais pura realidade..
Preste atenção...
Um sinal de trânsito muda de estado em média a cada 30 segundos (trinta segundos no vermelho e trinta no verde). Então, a cada minuto um mendigo tem 30 segundos para pedir a 5 motoristas e receber pelo menos de dois deles R$ 0,20 e faturar em media pelo menos R$0,40 o que numa hora dará: 60 x 0,40 = R$ 24,00.
Se ele trabalhar 8 horas por dia, 25 dias por mês, num mês terá faturado: 25 x 8 x R$24,00 = R$ 4.800,00.
Será que isso é uma conta maluca?

Bom, 24 reais por hora é uma conta bastante razoável para quem está no sinal, uma vez que, quem doa nunca dá somente 20 centavos e sim 30, 50 e às vezes até 1 Real.

Mas, tudo bem, se ele faturar a metade: R$ 12,00 por hora terá R$ 2.400,00 no final do mês.
Ainda assim, quando ele consegue uma moeda de R$1,00 (o que não é raro), ele pode até descansar tranqüilo debaixo de uma árvore por mais 9 viradas do sinal de trânsito, sem nenhum chefe para lhe censurar por causa disto.
Mas, considerando que é apenas teoria, vamos ao mundo real.

De posse destes dados fui entrevistar uma mulher que pede esmolas, e que sempre vejo trocar seus rendimentos numa conceituada padaria. Então, lhe perguntei quanto ela faturava por dia. Imaginem o que ela respondeu?

É isso mesmo, de 120 a 150 reais em média o que dá (25 dias por mês) x 120 = 3.000 e ela disse que não mendiga 8 horas por dia.

Moral da História :
É melhor ser mendigo do que estagiário (e muito menos PROFESSOR), e pelo visto, ser estagiário e professor, é pior que ser Mendigo...
Se esforce como mendigo e ganhe mais do que um estagiário ou um professor.

Estude a vida toda e peça esmolas; é mais fácil e melhor que arrumar emprego.
E lembre-se :
Mendigo não paga 1/3 do que ganha pra sustentar um bando de ladrões.

Viva a Matemática.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Construindo um Texto Literário – P3 – Psiquismo do Personagem


                Por ser uma parte fundamental do texto literário, o personagem necessita ter a “consistência” ideal para que cumpra o seu papel como autor da ação. Essa consistência é o que passaremos a chamar de Psiquismo do Personagem.
                Em um texto mínimo, como o micro-conto, não há espaço para que se estabeleça a construção desse psiquismo, que nada mais é do que a delimitação da personalidade que o personagem apresentará. Nesses casos o autor utiliza o recurso do conhecimento enciclopédico do leitor, e em alguns casos, dos conhecimentos arquetípicos inerentes ao inconsciente humano.
                Veja, por exemplo, o micro-conto de Monterrosso:
“Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá”.
                Há dois personagens explicitados nessa história:  O que acorda e o Dinossauro.
                O dinossauro não precisa de maiores apresentações porque já faz parte do conhecimento enciclopédico da maioria dos leitores: Um réptil gigante.
                Por outro lado, o outro personagem implícito, aquele que acorda, não é identificado. Não sabemos de quem se trata, não conhecemos as suas características. Sabemos apenas que dorme, portanto trata-se de algum tipo de animal, pressuposto que apenas os animais dormem.
                Porém, o fato do autor ter usado a palavra “ainda”, já nos dá uma infinidade de informações importantes. Em primeiro lugar que a ação já vem acontecendo há algum tempo. O dinossauro já havia chegado e permanecia no mesmo lugar, portanto possui algum interesse no mesmo. O outro personagem acorda, e defronta-se com o dinossauro, com quem já havia estabelecido um contato anterior. O termo “ainda” também nos transmite um desejo interno desse personagem de que o personagem não estivesse mais ali. Como isso pode ser constatado? Pela lógica. Se o personagem que dormia não tivesse interesse de perder o contato com o dinossauro não teria adormecido, ou caso o tivesse feito sem o seu desejo, ficaria feliz por constatar que o mesmo ainda não havia ido embora, mas a ausência de uma exclamação no final da história nos demonstra que não é algo desejável para o personagem que dormiu. Portanto, chega-se a conclusão de que há um temor do personagem que dorme em relação ao dinossauro.
                Essas duas características, dormir e temer, estabelecem o vinculo do leitor com o personagem que dormia, cria a identificação que permite que o leitor possa colocar a sua própria história no texto, complementando-a. Portanto temos um vinculo psíquico formado com um personagem que nem aparece na história, mas não com o outro personagem, o dinossauro, que aparece explicitamente. O saber enciclopédico poderia acrescentar muitos mais elementos, como o fato de que havia dinossauros carnívoros e de que os hominídeos não habitaram o mesmo ambiente que estes. Mas isso ficaria para uma análise textual, o que não é o nosso desejo neste momento. O importante aqui é demonstrar como um simples elemento textual pode nos dar pistas e ajudar a construir o psiquismo do personagem.
                No meu texto “Calo em Rosa” apresento um monólogo em que o narrador é um personagem e onde todo o cenário é apresentado diretamente na fala do mesmo. Não apenas o cenário, mas os outros personagens como a Rosinha, o Doutor – com quem o personagem está se comunicando, o Hermelau e os Filhos da Rosinha.
                Apesar de não haver descrição direta de nenhum cenário ou dos personagens, que encontram-se diluídos no monólogo, alguns elementos propiciam um aprofundamento da construção de ambos.
Existem dois momentos em que a ação ocorre no tempo, o momento atual, do encontro da interlocutora com o personagem Doutor, e o tempo subjetivo, passado, que é descrito pela sua fala. A época em que os fatos ocorreram é apresentada em vários momentos, como por exemplo,  quando a interlocutora fala em cinqüenta anos transcorridos do primeiro encontro com a Rosinha e o fato de que andava de bonde, um veículo de época.
Com esses elementos de cenário, justifica-se, pelo âmbito social, a opção da interlocutora de esconder do mundo os seus sentimentos em relação à Rosinha.
Temos então vários personagens com diferentes níveis de aprofundamento psíquico.
A interlocutora, objeto de identificação, necessariamente precisa ser mais detalhada na sua estrutura psicológica para poder gerar a identificação do leitor com a trama.  Por essa mesma lógica, faz-se necessário que haja um aprofundamento, não necessariamente tão grande, da personagem Rosinha, com quem se estabelece o conflito descrito no texto. Já os outros personagens são secundários na história, aparecem apenas como parte do “cenário” que vai se construindo e contra o qual se dará as ações.
Desta forma pretende-se demonstrar que um personagem pode ter um aprofundamento psíquico, ter suas características de personalidade, identificadas diretamente ou indiretamente. Pode ser necessário que haja esse aprofundamento, ou não, de acordo com o que o enredo da história exigir, e o mesmo pode ser feito em vários níveis sem prejuízo para a trama. Porém, se um personagem ganha “força” no texto, ele precisa atuar diretamente na trama, influenciando-a.
Lembrando que o cenário pode atuar como personagem, como a Pedra de Drummond já apresentada anteriormente, e neste caso não ter um psiquismo vinculado ao humano, mas metaforizado em relação a este.
É o que ocorre com o “calo” da interlocutora, que é parte cenário e parte uma metáfora utilizada para os sentimentos desta, quase um personagem em sua ação no mundo, apresentando-se como uma ação e como o resultado desta.
Estudar a forma como o personagem atua, seu aprofundamento psíquico na trama, sua inter-relação com o cenário e com os outros personagens, permite perceber mais profundamente a história, a estrutura utilizada pelo autor para apresentar a idéia e, acima de tudo, criar a identificação e a verossimilhança.
Obviamente há muito a ser dito sobre esse elemento textual, o personagem, mas neste momento o objetivo é apenas apresentá-lo de forma simples sem, contudo, negligenciar a sua importância para o texto literário, seja qual for o modelo adotado pelo autor.
Lembrando que todos os elementos do texto literário se integram em uma composição harmônica de forma a reforçar-se mutuamente, mas isso fica para o nosso próximo encontro.
Até lá!

terça-feira, 7 de junho de 2011

NU - Rogério Camargo

Ter a coragem de mostrar-se nu,
de desabridamente despojado,
apresentar aquilo que for tu,
sem recear que venha a ser julgado. 

No julgamento há o medo do ostracismo,
de ser dos outros todos afastado.
Fingir, então, é profissionalismo,
recurso pobre mas juramentado.

Ter a coragem de deitar os muros,
tirar as máscaras, baixar as cercas,
e ser apenas mesmo o que tu és.

Os fingimentos tornam-te inseguro.
Daí que quanto mais deles tu percas,
mas surge um homem sobre esses teus pés.
07.06.2011

Construindo um Texto Literário – P2 – Personagem Difuso


                Como foi apresentado antes, o personagem é uma parte fundamental de um texto literário, é com ele que o leitor vai vivenciar as ações, desenvolver a sua identificação e estabelecer a verossimilhança necessária para que o texto resulte em um eficiente emissor da mensagem que o autor quer transmitir.
                Porém, em alguns casos, os personagens não cumprem apenas o papel que lhes é destinado, confundem-se com o cenário e vice e versa. Para exemplificar eu trouxe dois textos curtos de Carlos Drummond de Andrade, um mestre na arte poética e na escrita.

Quadrilha – Carlos Drummond de Andrade
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou pra tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.

Percebe-se neste texto que os personagens são ao mesmo tempo cenário e atores da ação. Não há um local onde a ação ocorra, pois o cenário é a vida, mais precisamente o sentimento Amor, que é compartilhado entre os personagens, mas experimentado de formas distintas, com soluções diferentes para cada um.
Em poucas linhas o autor nos descreve um arquétipo do psiquismo humano: o Amor não correspondido.
Como isso é feito? Pelo simples alinhamento dos personagens em relação ao Amor. Tem-se a sensação imediata de uma continuidade, não de um retorno. O Amor passa de um personagem para o outro, mas não retorna, segue em frente.
Qualquer pessoa que tenha amado de alguma forma, consegue perceber que a simples falta de retorno do sentimento gera uma insatisfação, uma carência. O Amor é dado, mas não retribuído, não retorna como dádiva do outro para quem o ofertou.
Na primeira parte do poema se estabelece o conflito que é justamente a carência gerada por um amor que não é correspondido. Estabelece-se também o tempo, passado, e a continuidade.
Então na segunda parte o autor faz o fechamento do texto apresentando outros cenários que representam arquétipos: um pais, um convento, o desastre, “ficar para tia” = permanecer solteira, o suicídio, o casamento.
Em poucas linhas o autor constrói várias histórias que se complementam, demonstra o psiquismo de cada um dos personagens e a sua escolha de vida na história.
João, ao não ter o amor correspondido, resolveu fugir para outro pais, começar outra vida. Tereza decidiu dedicar o seu amor a Deus. Raimundo teve um fim trágico, possivelmente produzido por uma revolta interior, arriscou-se mais e acabou sucumbindo. Maria sufocou o seu amor e jamais o deu a outra pessoa. João entrou em depressão e terminou com a própria vida, e Lili, que não amava ninguém, casou-se, talvez sem amar. Finalmente o J Pinto Fernandes, que não havia entrado na história, foi o único contemplado com o casamento, mas, talvez, não com o Amor.
Todas essas histórias seriam mínimas se não fosse um outro personagem que não aparece diretamente na mesma, o Eu Lirico do autor, que surge como um narrador em terceira pessoa. É com este personagem, o narrador, que o vinculo com a realidade se estabelece, com quem o leitor se identifica ao ver o que acontece na vida de cada uma das personagens que acabam se tornando o cenário para os sentimentos deste e a história ganha a amplitude necessária.

Em outro texto do mesmo autor o cenário ganha as características de um personagem:

No Meio do Caminho – Carlos Drummond de Andrade

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.

Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra

Tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

A pedra que estava no meio do caminho é um personagem metaforizado, assume uma amplitude de ação pelo simples fato de estar no meio do caminho.
Neste texto o conflito se estabelece não no cenário descrito, um caminho com uma pedra, mas no universo interior do Eu Lirico representado pelo narrador, que permite com que o leitor se identifique com o conflito e o transporte para seu mundo interno, arquetípico, como o encontro com uma dificuldade no seguir. Não se dá o tamanho da pedra, não se diz qual o caminho, não há pessoas caminhando por ele, mas todos esses elementos estão no texto e configuram a verossimilhança com a linguagem metaforizada que permite a identificação arquetípica do leitor. A pedra pode tornar-se qualquer coisa no leitor, assim como o caminho, e este, o leitor, torna-se então o personagem no lugar do narrador, atuando diretamente na própria história que vai criar em seu mundo interior à partir da que foi apresentada.
Com isto demonstramos que o termo “personagem” é algo que transcende a simples caracterização. Personagem, em um texto literário, é tudo aquilo que, de alguma forma, provoca uma ação, cria um efeito, contrapondo-se com o “cenário” que é tudo aquilo que sustenta a ação do personagem, que a justifica.
O cenário pode auxiliar na construção do psiquismo do personagem, e o personagem pode simplesmente ignorar o cenário, apresentando-o diluído nas suas ações.
A construção do psiquismo do personagem, seu aprofundamento ou superficialidade, é o tema do nosso próximo encontro. Nos vemos lá.

Construindo um Texto Literário – Parte 1 – Verossimilhança.


Criar personagens em um texto é a coisa mais complexa que existe, embora seja a mais necessária para que o texto ‘funcione”, que produza uma identificação com o leitor e crie o efeito desejado.
                Desconheço qualquer texto que não possua personagens, mesmo quando ele não se faz presente no texto e aparece apenas na figura do orador, que descreve a cena, o Eu Lirico do autor.
                Portanto uma das estruturas principais de um texto são os personagens que o habitarão de alguma forma. Eles podem até não ser “humanos” nas suas características, como nos casos das fábulas, nas parlendas, na literatura fantástica. Porém, para que haja uma identificação com o humano, faz-se necessário que possuam características que criem esse vinculo. A essas características que serão expressas através do texto, preferencialmente não explicitadas neste, é que constrói-se o que chamaremos de “psiquismo do personagem”.
                O ponto de partida para a construção do psiquismo do personagem está na idéia que se quer transmitir. Essa idéia é que determina como será construído o Eu Lirico do autor, que será expresso no texto como orador da ação, seja este em primeira pessoa, em terceira pessoa, orador impessoal, omnipresente, etc.
                Tendo como base a idéia, construída a forma como será apresentado o orador que, por sua vez, apresentará a ação, a descrição do cenário, é que se determina a forma que o texto poderá ter para comportar a idéia.
                Algumas pessoas acreditam que o cenário é fundamental para que a trama se desenvolva. Autores clássicos fundamentavam o enredo de seus textos no próprio cenário, sendo este praticamente um personagem presente nas histórias, moldando os destinos, interagindo com eles.
                Essa característica não pode ser negligenciada, ao contrário, deve ser levada em consideração na composição do texto e na forma adotada para apresentar a idéia.
                Então temos alguns elementos que devem ser considerados na construção do personagem e dos textos em que executarão a ação.
                Um micro-conto, um texto curto, um poema, etc, tem pouco espaço para uma descrição do cenário, menos ainda para a composição de um personagem com “profundidade”, portanto é mais difícil de ser trabalhado. Mas, existem alguns recursos que permitem que isso possa ser feito com mais tranqüilidade. Um desses recursos é justamente a verossimilhança.
                A verossimilhança é a característica que permite que o leitor identifique e se identifique com os fatos relatados. Um texto com verossimilhança possui um vinculo fundamental  com a realidade do leitor, esse vinculo está baseado no conhecimento enciclopédico do leitor, nas características reconhecíveis pelo humano, algo que Carl Gustav Jung chamaria de Arquétipo. Os arquétipos são símbolos comuns à um agrupamento, representam todo um conjunto de parâmetros de realidade e interpretação desta.
                Essa característica da verossimilhança restringe o texto a um determinado público, ou seja, para que o texto seja compreensível e possa criar um vinculo, é necessário que o seu leitor tenha em seu saber enciclopédico (saber de Mundo) registrados os elementos básicos da composição textual. Cada tipo de leitor possui a sua característica de saber enciclopédico. Um aborígene australiano terá um conhecimento da natureza e da região em que habita maior que um cidadão de alguma megalópole. Então, um texto direcionado a um desses leitores não funcionará tão facilmente para o outro. O mesmo se dá entre adultos e criança, entre homens e mulheres, e assim sucessivamente.
                Embora a delimitação possa parecer limitadora, ela na verdade cumpre o papel de facilitador para a idéia. Todo texto literário pretende uma universalidade, e assim o é, mas para que possa ser compreendido em sua totalidade é necessário que haja um conhecimento prévio do leitor, ou um estudo aprofundado por parte deste após a sua leitura.
                Desta forma, para que o autor possa criar o seu personagem para um público determinado, ele precisa imergir no psiquismo do seu público alvo, que é como é chamado o leitor objetivado para aquele texto, de forma que possa identificar os arquétipos que compõem o saber enciclopédico daqueles a quem se destina a mensagem.
                Identificados os arquétipos pode-se fazer uma extrapolação da realidade, ir além das suas características básicas, e criar uma composição de personagem e ambiente em que os mesmos atuarão de forma a permitir a identificação dos elementos fundamentais que geram a verossimilhança ainda que esta se apresente mascarada em cenários e personagens fantásticos ou em idealizações da realidade comum.
                Neste primeiro momento já se pode perceber como os elementos de um texto literário se integram com uma harmonia que faz-se necessária para que o mesmo atinja o seu objetivo, bem como podemos delimitar alguns dos elementos fundamentais para qualquer composição literária: o Eu Lírico (através do qual o autor se expressará), o Narrador (que pode ou não ser o Eu Lirico, e pode ou não ser personagem da composição), o Cenário, o Personagem e, fundamentalmente, o Vinculo com a Realidade do Leitor – a Verossimilhança.
                Partindo desse pressuposto, vamos detalhar mais profundamente cada uma dessas estruturas fundamentais de forma que se possa perceber como a construção de um texto literário é feita, seja um texto mínimo como um micro-conto (com apenas uma linha) ou seja um texto mais longo e elaborado, um romance, por exemplo.
                Respire fundo e prepare-se para mergulhar no maravilhoso Universo das Letras, pois para se imergir nele é necessário, antes de mais nada, ter uma inspiração.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

LUGAR - Rogério Camargo

É: ficar sempre muito aquém do visto.
Ele está lá, brilhando como a estrela
ou como a pedra mais preciosa e nisto
fica embutida a angústia de só vê-la.

O sentimento intenso vive um misto 
de conhecer que existe e de não tê-la.
Qual todos os humanos, eu insisto
em ter e é bem o que me faz perdê-la.

Ter visto é mais uma constatação
do quando nos separa, da distância
assustadora dentre o sim e o não.

É mais uma razão de trabalhar,
repondo o medo, a frustração e a ânsia
em seu devido e funcional e funcional lugar.

ROGÉRIO CAMARGO
04.06.2011

RESPONSÁVEIS - Rogério Camargo

Parece vir de fora, mas não é.
O estímulo da dor vem é de dentro,
do quanto faz permanecer em pé
o xis que já morreu no próprio centro.

As coisas acontecem no momento
e perdem-se num limbo lá qualquer.
A força da memória, o pensamento
é que lhes dá presença aonde quer.

Servindo aos interesses doentios
daquilo que mantém prisão e peso, 
a desatenção cultiva enganos. 

Os erros de pensar que esses desvios
vêm de um fogo forte, aceso
por outro dos bilhões de desumanos.

Rogério Camargo
06.06.2011

Ser sensível... - por Ana Jácomo

"Ser sensível nesse mundo requer muita coragem. Muita. Todo dia.Esse jeito de ouvir além dos olhos, de ver além dos ouvidos, de sentir a textura do sentimento alheio tão clara no próprio coração e tantas vezes até doer ou sorrir junto com toda sinceridade.


Essa sensação, de vez em quando, de ser estrangeiro e não saber falar o idioma local, de ser meio ET, uma espécie de sobrevivente de uma civilização extinta. Essa intensidade toda em tempo de ternura minguada.

Esse amor tão vívido em terra em que a maioria parece se assustar mais com o afeto do que com a indelicadeza. Esse cuidado espontâneo com os outros. Essa vontade tão pura de que ninguém sofra por nada. Esse melindre de ferir por saber, com nitidez, como dói se sentir ferido.

Ser sensível nesse mundo requer muita coragem. Muita. Todo dia.Essa saudade, que às vezes faz a alma marejar, de um lugar que não se sabe onde é, mas que existe, é claro que existe. Essa possibilidade de se experimentar a dor, quando a dor chega, com a mesma verdade com que se experimenta a alegria. Essa incapacidade de não se admirar com o encanto grandioso que também mora na sutileza.

Essa vontade de espalhar buquês de sorrisos por aí, porque os sensíveis, por mais que chorem de vez em quando, não deixam adormecer a ideia de um mundo que possa acordar sorrindo.Pra toda gente. Pra todo ser. Pra toda vida.

Eu até já tentei ser diferente, por medo de doer, mas não tem jeito: só consigo ser igual a mim."

 Ana Jácomo

IMPORTANTE: O texto acima foi atribuido anteriormente à Bella CK (Isabela Khoury) porque assim foi apresentado pela mesma, como sendo de própria autoria. À partir do comentário anônimo, fui verificar e constatei que tanto o blog de Bella CK quanto o texto haviam sido removidos. Então corrijo o engano e atribuo corretamente a autoria, como é do nosso interesse sempre estar fazendo. Peço desculpas por qualquer transtorno causado.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

RECONHECIDO - Rogério Camargo

(Tela de Marcia Bührer - Amizade. Oleo sobre tela 80x60. Acompanhe o trabalho da artista em Olhos Pincelados)
Ela foi a luz da minha vida,
reconhece o homem que viveu
com a companhia enternecida
de quem mais valor a ele deu.

Quando eu fui a sombra, ela foi vida,
quando me esquivei, ela se deu.
Hoje sou apenas despedida
e ela todo um sol que renasceu.

Pouco me consola ter saudade,
olhar o vazio e não ter força
para encarar minha verdade.

Tudo que ela foi, foi porque é.
Nada serei eu quanto torça
pra fazer voando o feito a pé.

02.06.2011
ROGÉRIO CAMARGO

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Feitiço das mágoas - Ana Cristina Souto



Aquele homem
Cujos pilares gregos
transitava meu caminho
e fitavam-me
os olhos
abrigo de luas,
se foi!

O bambual chorou,
palavras fraturaram almas.
Enegrecido o sol
dos pomares...

Meu senhor,
meio seio secou!

O rio da saudade
rio/ enchente/ fel
amargou a imagem dos narcisos.

Urdia o tempo
e nuvens,
vestígios do meu pranto rarefeito
prenunciavam cantos das trombetas.

Enfeitiçada pela dor;
estátua de ilusões
por onde tantos passavam,
os passarinhos se aninhavam às mãos.

Meu senhor,
em desassossego
entre sais, ventos e sóis
trago-te a mim,
aclamando
ao tomento meu
de morta viva.


Ana Cristina Souto

Se não viesses nunca - Ana Cristina Souto


Se não viesses nunca
eu jamais saberia o que era amar
e a dor de perder-te.

O teu semblante
nada disse aos meus olhos.
Nem ilusão restou
à renúncia suprema da tua face.

Tu foste o ser mais amado!
Olho ao redor e não te vejo.
Eu te disse que vinha e vim,
vã ilusão que me entorpece.

Eu quero, nem que seja
a tua sombra
à pisar em ti entre o orvalho da vida

Se não viesses nunca
eu jamais saberia o que era amar
e a dor de perder-te.

Ana Cristina Souto

MÃE JOVEM - Rogério Camargo

Mulher muito esportiva e filha não,
feroz e injustamente envergonhada
do que era autêntica descontração,
espírito liberto de alma alada.


Filha certinha, mãe sem convenção
nenhuma, muito mais bem humorada
do que todo o completo batalhão
que a jovem tinha sido namorada.


Vergonha do que sabe ser sincero,
vergonha do que honesto sabe ser
envenena o gosto pela vida.

É quase discrepância em vez de vero
o que o receio chama de prazer
e é pouco mais que morte repetida.

ROGERIO CAMARGO
26.05.2011

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